"Sem as relações nós nem saberíamos quem somos. Falar que alguém é feliz é o mesmo que dizer que ele tem bom relacionamento consigo mesmo, com as pessoas, com as coisas".
08/12/2002
Jornal Estado de Minas
Bem Viver
"Antônio Roberto,
Parabéns pelo seu trabalho, ajudando as pessoas. Admiro-o muito. Você sempre fala em felicidade. A vida, porém, está cada dia mais complicada. Isso nos dificulta muito na tentativa de sermos felizes. Qual é o segredo? O auto-conhecimento? A procura do prazer? Qual o valor da relação afetiva para uma boa qualidade de vida? Com o tempo, serei feliz?
Esther, de Governador Valadares".
O maior segredo para a felicidade é compreender e aceitar algumas coisas da vida. A primeira delas é a compreensão da transitoriedade da existência. É da realidade humana a transformação, a mudança, a passagem, a não permanência. Os grandes problemas das pessoas estão relacionados a isso: o envelhecimento, a doença, as separações, as perdas, a morte.
Lidamos mal com esses fenômenos porque nos deram um profundo desejo por segurança, estabilidade e permanência. Daí nossa resistência às mudanças e nosso apego às coisas e pessoas. Sofremos pelo fato de o mundo ser de uma forma da qual não gostamos.
E, em vez de aprendermos, no decorrer da vida, a gerenciar melhor os inevitáveis fatos negativos, gastamos uma quantidade enorme de energia para controlá-los.
A depressão é um exemplo típico de quem se entristeceu profundamente pela vida ser como ela é.
A vida é para ser vivida e não para ser mantida. O casamento, a família, o trabalho, as relações são para serem usufruídos e não para serem conservados.
O auto-conhecimento é uma ferramenta importante para melhorar nossa qualidade de vida. O ver-nos tais quais somos é fundamental. Só o conhecimento de si próprio é pouco. Ele tem de ser seguido de uma ampla aceitação daquilo que descobrimos em nós mesmos.
Muitas pessoas fazem um grande esforço para se conhecerem e depois não se aceitam. É comum as pessoas abandonarem a terapia, ao tomar consciência de si próprias.
Como somos imperfeitos, temos pontos positivos e negativos. Para sermos felizes temos de nos amar, nos aceitar como somos, incluindo evidentemente os defeitos, os sentimentos negativos, as imperfeições corporais, emocionais, intelectuais, financeiras etc.
A auto-estima é a base para a felicidade. A auto-aversão é a origem de muito sofrimento. Quando nos aceitamos, há uma grande chance de transformação e de crescimento pessoal.
Quanto ao prazer, temos duas possibilidades de orientação. Ou somos orientados para a felicidade e o prazer ou para o controle e o poder. A felicidade é uma disponibilidade para a vida e, portanto, para a alegria, o prazer, a plenitude.
Não podemos, no entanto, confundir essa predisposição com a necessidade compulsiva para o prazer imediato. Tanto o meu prazer quanto a realidade fazem parte da vida. Às vezes, temos de abrir mão dele ou adiá-lo em vista das conseqüências. Quando estamos disponíveis para a vida, somos abertos ao prazer e às dores necessárias. O pesar, a tristeza, a raiva diante de uma morte, por exemplo, são necessárias para a resolução interna da perda.
E a Esther pergunta ainda sobre o valor das relações afetivas na nossa qualidade de vida. O homem é um ser relacional. Tudo na vida humana está inserido em relacionamentos. Sem as relações nós nem saberíamos quem somos. Falar que alguém é feliz é o mesmo que dizer que ele tem bom relacionamento consigo mesmo, com as pessoas, com as coisas.
É claro que algumas relações são mais importantes do que outras, na estruturação da felicidade. A relação mais importante, do ponto de vista humano, é a relação afetivo-sexual, na medida que é uma relação básica, natural, origem da vida. Essa relação é reclamada pelo nosso corpo, nosso emocional, todo nosso ser. As relações ligadas à família e à amizade são também fundamentais para nosso equilíbrio psicológico e, portanto, para a nossa qualidade de vida.
Todas as outras relações, embora importantes, são secundárias frente a essas. A relação de trabalho se destaca por fornecer meios que viabilizam as outras relações e por permitir a expressão do nosso potencial e pela quantidade de tempo que dedicamos a ela.
A relação social, pública é periférica. A sociedade inverteu tudo, colocando as relações sociais e do trabalho em primeiro lugar e as relações familiares, amorosas para depois. Isso, porém, não significa que as pessoas só serão felizes se estiverem casadas ou namorando. Confundimos freqüentemente o amor com as molduras sociais do amor. O que nos faz felizes é nossa capacidade de amar e sua expressão e não, como nos ensinaram, possuirmos ou sermos possuídos por alguém.
Com o tempo, serei feliz? A felicidade, assim como a sabedoria, não é uma questão de tempo. Conheço pessoas idosas que não sabem viver bem e pessoas jovens que o sabem. O importante é a compreensão da vida. Temos de nos dedicar a esse caminho e nos perguntarmos continuamente: o que podemos fazer para melhorarmos nossa qualidade de vida?
Temos de expandir nossas procuras: terapias, leituras, atividades corporais, caminhos religiosos, tudo o que possa nos ajudar nessa busca. Devemos aprender a felicidade, pois a sociedade nos ensinou a infelicidade. O sucesso pessoal (não o sucesso social e profissional) é possível a todo mundo e é nossa obrigação conquistá-lo, independente de posição social, do peso, da beleza, da altura, da origem familiar, da saúde, do fato de estar com alguém. Ser feliz é estar em conexão consigo mesmo, se sentir inteiro e, sobretudo, amar.
Antônio Roberto Soares - Psicólogo
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